Comentários do estudo: Multicentre, randomized comparison of two-stent and provisional stenting techniques in patients with complex coronary bifurcation lesions: the DEFINITION II trial, apresentado pelo Dr Shao-Liang Chen_durante o PCR-e-COURSE 2020
1 - Qual a importância do estudo e suas implicações práticas?
Creio que a principal contribuição do estudo DEFINITION II foi validar, em um ensaio clínico prospectivo e randomizado, a utilização de critérios angiográficos objetivos e específicos de gravidade anatômica para a tomada de decisão em termos de seleção da estratégia de tratamento percutâneo em lesões de bifurcação coronária complexas, comparando uma abordagem de rotina com dois stents versus a técnica de stent provisional. Os critérios de elegibilidade do estudo incluiam pacientes com lesão de bifurcação coronária verdadeira, ou seja, com comprometimento significativo do vaso principal e do ramo lateral, que preenchessem o critério “DEFINITION” de lesão de bifurcação complexa. Este critério, já publicado previamente (Chen SL et al. JACC Cardiovasc Interv 2014;7:1266-76), exige a presença de um critério “maior”: ramo lateral com lesão ≥ 10 mm e estenose ≥ 90% em bifurcações que não envolvem o tronco da coronária esquerda ou ramo lateral com lesão ≥ 10 mm e estenose ≥ 70% em bifurcação distal no tronco da coronária esquerda, mais a presença de pelo menos dois critérios “menores” dentre seis possíveis: calcificação moderada ou importante; presença de múltiplas lesões; ângulo da bifurcação, isto é, entre os ramos distais, < 45 graus ou > 70 graus; vaso principal com diâmetro de referência < 2,5 mm; presença de trombo; e extensão da lesão no vaso principal ≥ 25 mm. Definitivamente, a combinação desses critérios, conforme proposto no estudo, configura um subgrupo de alta complexidade e pouquíssimo representado em estudos normativos prévios, que compararam as estratégias de intervenção “simples” versus “complexa” em lesões de bifurcação, como Nordic e BBC.
Os resultados do DEFINITION II demonstraram benefício significativo da estratégia de tratamento de rotina com dois stents em termos de redução nas taxas de falência da lesão alvo (Hazard Ratio [HR] 0,52; intervalo de confiança [IC] de 95% 0,30-0,90; p=0,019), infarto do vaso alvo (HR 0,43; IC 95% 0,20-0,90; p=0,025) e revascularização da lesão algo guiada por isquemia (HR 0,43; IC 95% 0,19-1,00; p=0,049) ao final de 12 meses, em comparação com a estratégia provisional. De maneira geral, a utilização de técnicas de dois stents em bifurcações coronárias submetidas a intervenção coronária percutânea (ICP) na prática diária representa muito mais um “marcador” de gravidade do que uma simples preferência técnica. Se por um lado, a estratégia simplificada, com implante de stent no vaso principal apenas, permite, em tese, o implante subsequente de stent no ramo lateral em caráter “provisional”, tal procedimento nem sempre é garantido ou bem sucedido. De fato, os principais fatores prognósticos relacionados a oclusão do ramo lateral durante a ICP em bifurcações são: extensão e gravidade da lesão, presença de calcificação e trombo, ângulo agudo entre os ramos distais, grande carga de placa e distribuição geométrica excêntrica da mesma. Consequentemente, as técnicas de dois stents têm-se mostrado mais efetivas na preservação da patência do ramo lateral durante o procedimento, principalmente em situações de maior complexidade anatômica e maior risco de comprometimento do ramo lateral. Mesmo assim, os benefícios a longo prazo são comumente questionados. Os achados do DEFINITION II demonstraram a superioridade clínica tardia da estratégia rotineira de tratamemto com dois stents em bifurcações com lesões muito complexas do ponto de vista anatômico, sendo que a magnitude do benefício observado pode ser ainda maior se considerarmos que 22,5% dos casos alocados para estratégia provisional acabaram sendo tratados com técnicas com dois stents devido ao resultado sub-ótimo obtido inicialmente. Na minha opinião, tal fato respalda a utilização mais ampla de técnicas de dois stents como estratégia inicial de tratamento de lesões de bifurcação coronárias complexas e amplia o horizonte de opções terapêuticas percutâneas em cenários de alta complexidade.
Deve a técnica DK crush ser estratégia de escolha em lesões complexas de bifurcação?
Não necessariamente, apesar de ter grande apreço pela técnica e utilizá-la na prática diária. Especificamente, a técnica “double-kissing crush” (DK-Crush) foi extensamente estudada nas séries DK-Crush (I-V) e DEFINITION (I-II) em cenários de elevada complexidade anatômica e, no geral, demonstrou segurança e eficácia superiores a estratégia provisional e até mesmos a outras técnicas de dois stents em estudos randomizados. Isso permitiu elevar o grau de recomendação da técnica DK-Crush como preferencial para intervenções em bifurcação no tronco da coronária esquerda, por exemplo (Neumann FJ et al. Eur Heart J. 2019;40:87-165). Entretanto, a maioria dos estudos reflete a realidade de centros locais (na Asia) muito bem familiarizados e treinados em uma técnica, e os estudos comparativos com outras técnicas de dois stents são bastante limitados. Sem dúvida, os melhores resultados com DK-Crush são obtidos mediante cuidadoso planejamento e seleção, com especial atenção ao preparo da lesão e execução do passo-a-passo da técnica, sempre buscando otimizar o implante dos stents. As vantagens que esta técnica proporciona são: previsibilidade em relação ao comprometimento do ramo lateral devido ao implante primário de stent no ramo, sem necessidade de recruzamento para manter a patência; reconstrução do óstio do ramo lateral após o primeiro “kissing-balloon”, com consequente facilitação de reacesso após o implante de stent no vaso principal; e reconstrução plena da geometria da bifurcação, sem deformações ou segmentos descobertos. Já as dificuldades e problemas podem ocorrer em ramos laterais de pequeno calibre, angulações extremas, e segmentos proximais com tortuosidade acentuada. Além disso, a técnica pode ser laboriosa e exigir múltiplos passos para a otimização, como por exemplo, a necessidade de escalonamento de cateteres-balões para abertura e recontrução do óstio do ramo lateral e a realização de um terceiro POT (“proximal optimization technique”). Logo, acredito que bons resultados podem ser obtidos com as principais técnicas de dois stents em bifurcação, desde que realizadas de maneira bem planejada e criteriosa. No estudo DEFINITION II, DK-Crush representou 66,4% das técnicas com dois stents realizadas, seguida de culotte e TAP.
2 - Quais as principais limitações do estudo?
Destacaria a falta de critérios objetivos para cruzamento ou implante de stent no ramo lateral nos casos abordados inicialmente com a estratégia provisional; a utilização de várias técnicas de dois stents de forma não balanceada, o que impede qualquer comparação ou inferência sobre a superioridade de uma técnica sobre a outra; e a falta de uma avaliação mais detalhada sobre os casos de infarto do miocárdio no vaso alvo que ocorreram no seguimento tardio, uma vez que tal ocorrência foi significativamente maior no grupo alocado para estratégia provisional. Uma primeira hipótese seria a associação deste evento com novos procedimentos de revascularização da lesão alvo, mas não existe clareza sobre esta possibilidade. Logo, os próprios autores reconhecem a necessidade urgente de esclarecimento sobre esta importante questão.
3- Quais as expectativas com relação aos próximos trials de bifurcação EBC-MAIN e BBK-3?
São dois importantes estudos que trarão evidências mais definitivas sobre o impacto da estratégia de dois stents e da técnica DK-Crush em lesões de bifurcação complexas. O EBC-MAIN é um estudo europeu que investiga a estratégia provisional versus (qualquer) estratégia com dois stents em lesões de bifurcação no tronco da coronária esquerda. Este será o primeiro estudo randomizado neste cenário a ser realizado fora da Asia, num contexto onde os achados do estudo DK-Crush V, favorecendo a técnica com dois stents, serão seguramente desafiados. Já o BBK-3 é um estudo randomizado que compara duas das principais técnicas complexas (culotte versus DK-Crush) em lesões de bifurcação fora do tronco da coronária esquerda. Os resultados de ambos os estudos são aguardados para o final de 2021!
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